Eduardo Bolsonaro e PSL
Grande História

O bolsolavismo é, antes de tudo, misógino

De provocações em mensagem do dia dos pais a alinhamentos inaceitáveis na ONU, como o governo Bolsonaro renega a importância das mulheres.

19.02.2020 – Deputado Eduardo Bolsonaro faz gesto de banana no plenário da Câmara. Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados

Era o segundo dia dos pais com o país sob o comando do governo Bolsonaro. No Twitter, a conta oficial do Palácio do Planalto celebrou a data com uma breve mensagem que, como apontou a jornalista Carla Vilhena, resultava de uma porção de decisões questionáveis. Porque pregava contra o isolamento social numa crise sanitária com mais de cem mil conterrâneos mortos. Porque mais uma vez ignorava o laicismo do Estado brasileiro. E principalmente por se tratar de uma descabida provocação às mães.

O Brasil é um país em que praticamente metade das famílias é chefiada por mulheres, uma fatia que chega à maioria junto à população negra. No mercado de trabalho, contudo, no que se tornam chefes, as brasileiras chegam a ganhar um terço do que os homens recebem exercendo a mesma função. E esse nem é o dado mais alarmante. Praticamente todas já sofreram algum tipo de assédio no transporte público ou privado. E a taxa dos homicídios motivados pelo fato de a vítima ser mulher assusta até mesmo a Comissão Interamericana dos Direitos Humanos. Com o agravante de que 7 em cada 10 tentativas de feminicídios têm parceiros ou ex-parceiros como suspeitos.

Inútil

É inútil esperar que a situação melhore com o país aos cuidados de um ex-deputado federal descrito por uma das ex-mulheres como “um pouco machista e um pouco autoritário”. Alguém que, mesmo forjando uma nova versão “paz & amor” de si, ainda insiste que trazer filhas ao mundo seria um sinal de fraqueza do homem. Que descreve o país que preside como “uma virgem que todo tarado de fora quer“. Que, por duas vezes, num intervalo de 11 anos, argumentou que só não estupraria uma adversária por considerá-la feia. Que apoiava policiais amotinados que exploravam como escudo humano as próprias esposas. Que, ao participar de um evento voltado a “homens destemidos, corajosos e honrados“, tentava convencer o mundo do que, resta evidente, não é. E que vive a ser retratado por bajuladores com músculos de uma definição inexistente pois, como se sabe, o suposto histórico de atleta só tem conseguido produzir flexões de pescoço.

Com quem andas

Por isso, não é de se estranhar quando o presidente da República se elege por um partido que burlou a cota de candidaturas femininas sob a justificativa de que política “não é muito da mulher“. Quando nomeia para a Educação um ministro que já havia dado declarações minimizando um caso de feminicídio. Quando contrata um advogado que se tornaria réu por lesão corporal contra a ex-esposa. Quando se cala diante da morte de cem mil vítimas fatais da covid-19, mas não tarda a prestar solidariedade à família de um apoiador que se suicidou logo após agredir a namorada ao ponto de a jovem se internar num hospital por 12 dias.

Bananinha

Ou quando lega ao mundo alguém como Eduardo Bolsonaro. O Zero Três já chamou de porca uma deputada que se descobriu infectada pelo novo coronavírus, e deu uma “banana” na Câmara Federal a deputadas que defendiam uma jornalista atingida por linchamentos virtuais. Protagonizou o gesto à frente de uma bancada feminina que ali validava a misoginia do ato. A imagem até lembra o escudo humano formado em 2017 pelas esposas dos policiais capixabas. Mas mais ainda o uso que Bolsonaro faz da amizade de Hélio Lopes, que aceitou blindar o amigo “da pecha de racista” em troca do sobrenome que fez dele o deputado federal mais votado do Rio de Janeiro.

Ministério da Mulher

Sim, há mulheres comandando ministérios no governo Bolsonaro. Mais especificamente, duas. Tereza Cristina, uma indicação dos ruralistas à pasta da Agricultura, e Damares Alves, até porque daria uma confusão dos diabos colocar um homem à frente do Ministério da Mulher. Mesmo assim, a ministra já provocou uma polêmica para lá de desnecessária ao defender que mulheres deveriam ser identificadas pela cor rosa, nomeou uma ex-feminista que fazia uso de um pseudônimo nazista, e justificou os ataques misóginos do presidente contra jornalistas como sendo uma reação às vítimas dele. Em contrapartida, Jair Bolsonaro disse dar ouvidos a qualquer ministro, “até a Damares“. Mas nem tanto assim. Ao final do primeiro ano de mandato, dentre os 22 ministros, Damares só não fora menos prestigiada na agenda presidencial do que o presidente do Banco Central.

Agenda presidencial

O mais triste, contudo, é constatar como a misoginia se tornou agenda de governo. Em 2019, na véspera do Dia Internacional da Mulher, Bolsonaro ironizou o fato de o Banco do Brasil tornar obrigatório um curso contra assédio moral e sexual. Ao término do primeiro ano de mandato, o Governo Federal não havia repassado um único centavo ao principal programa de combate à violência contra a mulher. Em paralelo, atacava a Lei Maria da Penha enquanto defendia o porte de arma como uma alternativa mais eficaz, mesmo sendo de pleno conhecimento o risco de a medida ampliar o total de feminicídios.

Agenda internacional

Na Organização das Nações Unidas, o Brasil vetou um projeto que garantia acesso universal à educação sexual como forma de prevenir violência contra garotas. E criou empecilhos na aprovação de um texto proposto por países africanos contra a mutilação genital feminina. Quando a ONU votou o relatório do Conselho de Direitos Humanos sobre discriminação contra mulheres, o governo Bolsonaro simplesmente se absteve.

De volta a 2017

Agora, durante a pandemia, o presidente vetou integralmente um projeto que priorizava o pagamento de auxílio emergencial a mulheres que chefiam famílias. O que remete a “homenagem” do dia dos pais. Ou a 2017, quando Ives Gandra Filho, ainda cotado para uma vaga no STF, causou polêmica por um artigo publicado 5 anos antes.

Sem contestar

O texto versava sobre direito natural, uma teoria que serve de base tanto ao pensamento conservador como à Declaração Universal dos Direitos Humanos. Em dado momento, sem contestar, o autor comenta que “o princípio da autoridade na família está ordenado de tal forma que os filhos obedeçam aos pais e a mulher ao marido”.

Sem STF

Gandra Filho findou perdendo a vaga do STF para Alexandre de Moraes. Gandra “pai”, seis dias após Bolsonaro se decidir por uma intervenção militar no STF, participou de uma live sobre a “aplicação pontual do 142“, o artigo da Constituição deturpado por dez entre dez golpistas.

Menos ou mais

Quando o Planalto aproveita o dia dos pais para celebrar os “chefes de família”, está menos cometendo uma escolha infeliz de palavras, e mais referenciando a leitura seletiva que os reacionários fazem do direito natural. Ou seja, à ideia de que a mulher deve obediência ao marido, mesmo que metade das famílias finde aqui chefiada por mulheres.

Reflexos

Em 2019, mesmo com a queda recorde no homicídios, o total de feminicídios cresceu. Em São Paulo, a alta chegou a 76% no primeiro trimestre. Agora, com a quarentena em vigor, o assassinato de mulheres em casa simplesmente dobrou. No Rio de Janeiro, a violência doméstica sofreu 50% de aumento. No Rio Grande do Norte, houve um salto de 80% nos casos de estupro.

Quem paga

Lá fora, as nações comandadas por mulheres contornam de forma exemplar toda a gravidade da pandemia em curso. Por aqui, de uma lista gigante de transtornos, o povo brasileiro está sendo convocado a pagar R$ 15 milhões pela misoginia vomitada por Bolsonaro.

Lute como uma menina

Mas, se o Governo Federal se ausenta, o jornalismo marca presença. Não por acaso, mulheres estavam na autoria de boa parte das perguntas que fizeram Bolsonaro fugir de coletivas. Não por acaso, os linchamentos virtuais tocados por milicianos digitais se focam nas jornalistas que cobrem a política nacional. De forma que o trabalho delas tem se destacado mesmo numa das páginas mais infelizes de nossa história. Patrícia Campos Melo, que virou alvo de ataques abjetos vindo até do presidente da República, lançou um livro sobre o que batizou no título de Máquina do Ódio.

Violência Política de Gênero

Ainda que tenha encontrado na atual gestão um ambiente amigável, o fenômeno não é novo, nem exclusivo do Brasil. Mas “dar nome ao que acontece é o primeiro passo para combater o problema“. As aspas foram pronunciadas pela cantora Anitta em Eleitas, série que explica o que é violência política de gênero. E, em respeito ao lugar de fala delas, essa coluna se encerra com um convite para que tal conteúdo seja prestigiado no YouTube.

Fontes

Esse texto só pôde ser escrito graças ao trabalho de uma imprensa profissional que apurou as informações referenciadas mais acima, e que aqui embaixo é reverenciada: BR Político, Congresso em Foco, El País Brasil, Época, Estadão, Extra, Folha de S.Paulo, G1, IstoÉ, Marie Claire, Metrópoles, O Antagonista, O Globo, Piauí, Pública, Tribuna do Norte, UOL e Veja.

Não existe país decente sem imprensa livre.

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