O Brasil terminou 2019 com dez entre dez “especialistas” celebrando o que tratavam como o início de um novo ciclo virtuoso da economia. O otimismo nascia da aprovação em outubro da reforma da Previdência, uma pauta que se arrastava por longos vinte anos. Só em março, contudo, a realidade se impôs: o Produto Interno Bruto havia crescido no primeiro ano do governo Bolsonaro o mesmo 1,1% conquistado pelo governo Temer nos dois últimos anos de gestão.
Desde então, Paulo Guedes se habituou a dizer que o país estava decolando quando o novo coronavírus “atrasou os trabalhos”. Mas algo do tipo só há de convencer quem não sabe que, mesmo na China, o isolamento social só passou a vigorar em janeiro de 2020.
Já é recessão
Agora, a FGV confirmou que o Brasil terminou o primeiro trimestre já em recessão. Ou seja… Enquanto o Ministério da Economia ainda projetava um crescimento ínfimo de 0,02% para 2020, a economia encolhia 1,5% em relação ao mesmo período do ano anterior. Neste recorte, contudo, é possível falar em impacto da covid-19. Mas numa realidade em que o país tinha pouco mais de 5 mil casos, e “apenas” 201 óbitos.
Imprudência otimista
O otimismo que Guedes esbanjava naquele março estourava o limite. O ministro chegou a dizer que “morreram só 5 mil” chineses; que, “com R$ 5 bilhões a gente aniquila o coronavírus“; e que, na pior das hipóteses, o Brasil cresceria 1% em 2020. Mas ninguém foi mais insensível do que Solange Vieira. Aliada de Guedes, a chefe da Superintendência de Seguros Privados afirmou em reunião com o Ministério da Saúde que a morte de tantos idosos pela covid-19 ajudaria a melhorar as contas da Previdência.
Realidade se impondo
O mês seguinte foi o pior para o comércio em 20 anos, com o fechamento de quase 10 milhões de postos de trabalho no trimestre que se encerrou em abril. Mesmo assim, o “posto Ipiranga” garantia que a retomada seria tão vertiginosa quanto a queda.
Caravana aloprada
Em maio, Guedes integrou uma comitiva de empresários aloprados que, sob a liderança de Jair Bolsonaro, caminharam até o STF buscando a reabertura econômica. Com o Ministério revisando a estimativa para uma queda de 4,7% do PIB em 2020, Guedes passou a alertar que a economia entraria em colapso.
Continua o mesmo
Há quatro dias, com as tristes marcas de 50 mil mortes e um milhão de casos de covid-19 superadas, Guedes ainda insistia que “o Brasil vai surpreender o mundo“. No dia seguinte, a FGV projetou para o segundo trimestre a maior retração em 40 anos, com a recuperação em uma lentidão igualmente recorde.
Quase nada
É verdade que Guedes havia antecipado para abril o pagamento de metade do décimo-terceiro dos aposentados. E que montou uma “operação tartaruga” na Receita Federal para dificultar a exportação de ventiladores pulmonares (o que é eticamente questionável). Mas, ainda em março, Rodrigo Maia reclamava que o “Plano Guedes” tinha “quase nada” contra o novo coronavírus. Passados três meses, de R$ 398 bilhões que o governo Bolsonaro liberou, medidas econômicas consumiram 86%, com a Saúde recebendo apenas 13% da fortuna.
Privada
Orgulhoso da fama de liberal, Guedes queria que mesmo a recuperação da maior crise sanitária em um século viesse de uma iniciativa privada que não há de sair inteira da pandemia. Assim, rompeu com Rogério Marinho, que entendia a necessidade de Estado socorrer o país. Mansueto Almeida, que defendia o aumento do investimento público desde quando o governo Bolsonaro ignorava o “pibinho” (celebrando ridiculamente o que chamava de “pib privado“), já anunciou que voltará para a iniciativa privada.
Mundo dá voltas
Ironicamente, o próprio Guedes chegou a junho concordando que a economia só não colapsou porque o governo, que havia proposto inicialmente um auxílio emergencial de R$ 200, distribuiu por três meses um socorro de R$ 600 aos brasileiros mais pobres. Agora, em vez simplesmente dar continuidade ao projeto, o ministro tenta transformar o Bolsa Família em Renda Brasil, que é uma forma de fazer publicidade do próprio governo em cima de um programa que faz sucesso há 17 anos.
Morrendo na praia
Por muito tempo, liberal (ou “neoliberal”) era usado como xingamento nas mesas que discutiam política no Brasil. Demandou muito esforço para que, em 2018, a corrida presidencial tivesse vários candidatos querendo o adjetivo para si. Incluindo o vencedor da disputa. Contudo, não foi necessário nem um ano e meio de mandato para que o espantalho que faziam do liberalismo evoluísse de falácia para alerta. Para tanto, bastou apenas que a agenda liberal caísse em mãos erradas.
Fontes
Esse texto só pôde ser escrito graças ao trabalho de uma imprensa profissional que apurou as informações referenciadas mais acima, e que aqui embaixo é reverenciada: CNN Brasil, Correio Braziliense, Época, Estadão, Estado de Minas, Exame, Folha de S.Paulo, G1, Globo Esporte, InfoMoney, IstoÉ, O Antagonista, O Globo, Poder 360, Terra, UOL, Valor Econômico e Veja.
Não existe país decente sem imprensa livre.
